quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Poema do Menino Jesus*

Poema do Menino Jesus                                          


                     Fernando Pessoa*

Num meio dia de Primavera
Tive um sonho como uma fotografia
Vi Jesus Cristo descer a terra
                                                                                   
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar  fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu.       
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
                                                                                   


Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,       
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou o Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras
Depois fugiu para o Sol
E desceu no primeiro  raio que apanhou.




Hoje vive na minha aldeia comigo.                          
É uma criança bonita de riso natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Atira pedras aos burros,
Colhe a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Com as bilhas às cabeças
E a levanta-lhe as saias. 
                     
A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as cores que há nas flores
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.
Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo,
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos os dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.

Ao anoitecer brincamos às cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um Deus e um poeta
E como se cada pedra  fosse toda o  universo
E fosse, por isso,  um grande perigo para ela
Deixá-la cair ao chão.
.
Depois eu conto-lhe histórias
Das coisas só dos homens
E ele sorri porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis
E tem pena
De ouvir falar das guerras
E dos comércios.
E ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E  deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno,até ele estar nu.
       
Ele dorme dentro da minha alma                              
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,                      
Põe uns em cima dos outros
E bate palmas  sozinho
Sorrindo para o meu sonho.

Quando eu morrer, Filhinho,
Seja eu criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde.
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar!
                   
   
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*Fernando Pessoa (1888-1935) foi um poeta e escritor português, nascido em Lisboa. É considerado um dos maiores poetas da língua portuguesa e da literatura Universal


Creditos:
Sitio: Youtube
Musica:declama Fernando Pessoa e cantando O doce mistério da vida
Interprete:Maria Bethânia
Autor:Fernando Pessoa (poema)
Postado por:kuemp em 19/11/2009




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