quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Solidariedade







Solidariedade


“Solidariedade é como uma vela acesa.
Alguém acende a vela na chama de
sua vela e você não perde nada.
Tudo fica mais iluminado.”
(1) Gilberto Dimenstein)


Situada bem no centro da capital brasileira, vizinha a Super Quadra Norte- S.Q.N. 612- ´”escondiam-se”, aproximadamente ,300 famílias carentes de recursos materiais . Era a famosa Invasão da Mina d’Água. Estrategicamente, os seus moradores construíam seus barracos no meio do matagal que crescia abundantemente naquela região,favorecendo a apropriação indevida.
Somente seis destes barracos ali existentes despontavam insólitos como referenciais d’aquela pequena comunidade.
Foi então que fiz a minha primeira e ousada investida no chamado mundo dos socialmente excluídos.
Para minha maior segurança no trânsito com o desconhecido, fiz-me acompanhar pela líder e fundadora d’aquela pequena guarida, onde fui amorosamente orientada e bem recebida. D. Gracinda, era este o seu nome de guerra, portadora de uma privilegiada capacidade de enfrentar a adversidade ,ousada e inteligente aceitou a minha pretensiosa ajuda a fim de ver mais de perto a fome, a miséria, a prostituição ,o enfrentamento desigual de assaltantes fugitivos ali refugiados, estupradores e crianças desnutridas. Este era o cenário pitoresco e até certo ponto, agradável aos olhos humanos, onde todas as tardes de sábado nos reuníamos à sombra de uma árvore acolhedora e amiga.
Ali fizemos o nosso ponto de encontro quando juntávamos as crianças do local e conversávamos sobre hábitos de higiene, boas maneiras e outros costumes saudáveis para em seguida servirmos um lanche que era ávidamente esperado.
Em um desses costumeiros encontros ,quando fazíamos uma ligeira visita aos lares ali constituídos ( alguns d’eles) constatamos , para o nosso espanto, a presença e o sentimento vivo e austero de solidariedade cristã, desprovido de qualquer rebusco intelectual. A situação se repetia sempre que necessário: onde havia gás, todos aqueles que não dispunham do mesmo, cozinhavam n’aquela casa que estava disponível à distribuição fraterna.
Inquirimos, curiosa, a companheira, Sra. Dona Gracinda:
- Vocês fazem isto sempre? E a sábia ansiã me respondeu, com uma certa intimidade que já nos era peculiar:
- Vani , minha filha, se nós não fizermos isso, nós não somos filhos de Deus.
Confesso, pela primeira vez, ouvi um depoimento tão tocante e verdadeiro- o sentimento puro de relação com Deus tão naturalmente vivenciado. E entre solilóquios de alegria interior pude conceber a mim mesma:
- Sim, Deus existe e se encontra em toda parte. Assim é que estamos unidos através desta filiação divina. Acredito que somente a união solidária, uns com os outros, é o caminho que nos aproxima de Deus.
Esta e muitas outras lições, ali me foram transmitidas, por almas calejadas, oprimidas e socialmente excluídas, lá no topo de uma elevação, d’onde corria um córrego cristalino, uma mina de água que se derramava ininterruptamente – a Invasão da Mina d’Água- existente desde a fundação de Brasília, capital da República Brasileira.
A necessidade da manutenção da vida orgânica, consequentemente ,a vida de relação, gerou o instinto gregário no homem que buscou reunir-se a outros grupos para a permuta necessária. Desse modo, a força instintiva tornou-se imperiosa no processo de união quando se faz preciso “suportar em conjunto”.
O progresso necessário e incessante, numa sociedade desigual, bem como o modelo econômico vigente, ainda refletem, assustadoramente os sinais de um capitalismo selvagem, expressado através da exploração do homem pelo homem, presente em todos os seguimentos da nossa estrutura social.
Somente aos poucos , de maneira imperceptível, vislumbramos a luz da solidariedade que ensaia , acanhadamente, os seus primeiros passos.
Referendamos o ilustre jornalista (2) que nos brinda com o seu intuitivo pensar,” crescemos emocionalmente e espiritualmente quando experimentamos o desejo e a ação de ajudar nos sentindo como quem se faz ajudado.”
É dando que se recebe e a partir desse ponto romper as amarras
da relação entre dominador x dominado. Só então, nesse clima de comprometimento interior é que a solidariedade se presentifica com a conseqüente estimulação do bem geral.



Olvanir Marques de Oliveira


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1) Dimenstein, Gilberto.Escritor, jornalista, colunista da Folha de São Paulo.Relatos de uma entrevista no Programa “Mais Você”. Ed. Globo.
2) Ibidem, in “ O mistério das bolas de gude: Histórias de humanos quase invisíveis. –Campinas,SP: Papirus,2006,




Creditos:
Sitio: Youtube
Musica:Barracão de Zinco
Interprete:Elizeth Cardoso
Autor:
Postado por:telijencio em 23/09/2008


3 comentários:

  1. Que esta visão do mundo seja lida ,por gente do poder.NJC

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  2. Que belo ensaio . Que forma bonita de apresentar o termo " solidariedade ". Esse texto pode ser visto e analisado por vários focos , incluo aqui o religioso porque evidencia a prática do evangelho,o social e educacional . Perfeito !
    Gde abraço ! Cláudia

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  3. Excelente! É isso mesmo, concordo plenamente. A gente observa nos grupos, ditos excluídos, práticas que tais como forma de auto-defesa e superação. É a vivência evangélica na sua forma mais verdadeira e pura. Fez lembrar-me de um fato vivenciado há muitos atrás quando participava de grupo distribuindo sopa a moradores de rua. Ao entregar o kit (sopa+pão), um jovem devolveu o pão porque, antes de nós, um outro grupo havia distribuído pães. Ele me disse: "Tia, leve o pão para dar a alguém que ainda não o tenha". Nunca esqueci da lição aprendida daquele jovem rapaz. Como disse um sábio Desconhecido: "Para unir é preciso amar, para amar é preciso conhecer, para conhecer é preciso ir ao encontro do outro." Paz e luz na sua vida! Um grande beijo. Nelma

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